Obra Prima do Dia (Semana René Magritte)
Pintura – Lola de Valence (1948)
Na França as críticas ferrenhas ao surrealismo belga continuavam. As relações de Magritte com Paris seriam sempre difíceis. Ele parecia não se incomodar com isso, mas não ser reconhecido em Paris, devia pesar.
Magritte encontrou um bom marchand em Alexander Iolas, um grego responsável pelo sucesso de muitos artistas. No entanto, quando Iolas conseguiu que ele fosse convidado para uma individual em Paris, em 1948, Magritte não se impressionou, nem se curvou.
A exposição, na Galerie du Faubourg, criou polêmica. O estilo empregado nas telas era próximo do fovismo e foi chamado pelo pintor de “vache”, literalmente “vaca’. Em francês a palavra servia e ainda serve para muitos usos: tirando o nome do animal, pode ser uma expressão de indignação “La vache!”; se referir a uma mulher gorda; a uma pessoa sem caráter e má; à pessoa preguiçosa. Um amor mais físico que emocional, é um ‘amour-vache”.
E surgiu o que ficou conhecido como “période vache”, no estilo “potache”, ou seja, com a inconseqüência e o pacholismo próprio dos estudantes. As telas, sobre o vulgar e o rude, inteiramente diferentes do estilo contido e elegante de seus outros quadros, mais o texto de apresentação, em termos pouco usuais, cheios de gíria, assinado pelo poeta Louis Scutenaire, foram o estopim de um bom escândalo.
Anos mais tarde ambos, Magritte e Scutenaire confessariam que a intenção era mesmo agredir e chocar. Como belgas, estavam cansados de ser chamados de camponeses toscos e quiseram se vingar do que consideravam arrogância e pedantismo dos franceses.
Na década de 60, quando catalogou suas obras, Magritte se referiu ao período “vache” como ao seu estilo fauve e chamou as telas dessa época de “as pinturas daquele maldito período”. Ele parecia não querer se lembrar direito do que foi e porque criou o estilo “vache” (de um texto de Bernard Marcadé, curador e crítico de arte francês)
“Lola de Valence” é uma tela “vache”, uma ironia com o quadro de Édouard Manet (1862) que imortalizou a dançarina espanhola Lola Melea e com uma quadra de Charles Baudelaire em homenagem à beleza dela:
“Entre tant de beautés que partout on peut voir,
Je comprends bien, amis, que le désir balance;
Mais on voit scintiller en Lola de Valence
Le charme inattendu d'un bijou rose et noir.”
(Numa tradução inteiramente livre: “Entre tantas belezas que vemos por aí, compreendo bem, amigos, que o desejo hesite; mas vemos cintilar em Lola de Valence o encanto inesperado de uma jóia rosa e negra”).
Pode-se compreender como os franceses ficaram ofendidos com a gozação a seu poeta e a seu pintor...
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